São Luiz do Paraitinga é uma estância turística localizada no Vale do Paraíba, estado de São Paulo. Conhecida como a terra do Saci-Pererê, não se sabe se os turistas acorrem à cidade por causa de suas belíssimas trilhas e cachoeiras, ou devido às famosas serestas no centro histórico nas noites de sexta-feira. O fato é que o turismo é abundante na região. Na passagem do ano 2009 para 2010, a cidade estava lotada de visitantes. O ano havia sido atípico: o inverno mais chuvoso do que o habitual, seguido de um transbordamento inusual do Rio Paraitinga. No último dia do ano, efetivamente, choveu mais do que esperado para o mês de dezembro como um todo. Assim, a cidade começou o novo ano submersa, com o valioso patrimônio arquitetônico comprometido - e uma firme disposição em rever questões como ocupação urbana.
Todos os frequentadores da charmosa cidade concordam em um ponto: a enchente e a posterior recuperação, com a criação do Ceresta (Centro de Reconstrução Sustentável de São Luiz do Paraitinga), envolvendo órgãos públicos e outras instituições na reconstrução da cidade e na aplicação do Plano Diretor do município, foi, sem trocadilhos, um divisor de águas na história do município.
Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro, foi a cidade da região sudeste do país mais afetada por precipitações fluviais desde 2015; em seguida estão Guarujá e Santos, ambas em São Paulo, com 27 registros; foram 730 eventos neste estado, 455 no Rio de Janeiro e 162 em Minas Gerais, nesse mesmo período, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As informações abrangem o período de 2015 a janeiro de 2020 e foram coletadas com base em informações dos satélites e de estações de superfície (pluviômetros) pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC).
O acúmulo de eventos climáticos extremos na região sudeste do Brasil parece indicar um aumento de chuvas, mas isso não corresponde à verdade. A última década foi marcada por longos períodos sem chuva, interrompidos por tempestades torrenciais e de intensidade concentrada. Os estudos sobre aquecimento global apontam exatamente para o aumento na frequência e nos períodos maiores de seca entre as chuvas. Por eventos climáticos, além de chuvas com precipitação superior a 40 mm/h, entende-se tornados, granizo com mais de 2 centímetros e rajadas de ventos superiores a 90 km/h.
Entre 2014 e 2018, a região Sudeste enfrentou crises hídricas de proporções desconhecidas na última geração, com cidades e bairros submetidos à rodízios de água e escassez. Segundo dados da Agencia Nacional de Águas (ANA), os volumes totais de chuva nos períodos úmidos de 2012 a 2017 foram abaixo da média, resultando em reduzidas recargas dos reservatórios existentes. Em níveis extremamente baixos, estes não apresentaram capacidade de atendimento às demandas dos diversos usos. Sem a recuperação dos níveis das represas, foi utilizado o chamado volume morto dos reservatórios, que gerou dúvidas de técnicos do setor sobre a qualidade dessas águas localizadas no fundo das represas.
Ainda que a quantidade e intensidade das chuvas tenha aumentado nos anos posteriores, isso não se refletiu na melhora da qualidade, comprometida pelo contato da chuva com o solo desprotegido e incorporando componentes da lama à agua. Nesse contexto, o pagamento por serviços ambientais apresenta-se como um instrumento promissor para uma gestão ambiental exitosa e que ao mesmo tempo gera novas fontes de renda para avançar na proteção do meio ambiente.
O objetivo do "Projeto Conexão Mata Atlântica" é recuperar e preservar serviços ecossistêmicos associados à biodiversidade e captura de carbono da floresta em zonas prioritárias do Corredor Sudeste da Mata Atlântica brasileira. Entre os serviços ecossistêmicos associados, as ações desempenhadas no projeto contribuem para melhorar a quantidade e a qualidade da água.
Plantar floresta para colher água
O Brasil concentra 12% de todo o volume de água doce do planeta, abrigando 12 bacias hidrográficas - das quais 9 estão localizadas na Mata Atlântica. Questões ambientais, econômicas e na gestão de recursos, entretanto, afetam a disponibilidade hídrica e o saneamento básico dependentes da manutenção dos mananciais. A conservação da floresta tem relação vital com os ciclos hidrológicos na produção de chuvas, abastecimento dos lençóis freáticos, retenção da umidade do solo e na proteção das margens dos rios e mananciais de erosão e assoreamento.
Não é possível exagerar a importância da preservação da floresta: no estado de São Paulo, 37% do volume de água outorgado para abastecimento público provém de Unidades de Conservação estaduais. Se somarmos as Zonas de Amortecimento, esse volume aumenta para 62%. Os Parques Estaduais da Cantareira e da Serra do Mar e suas zonas de amortecimento tem especial destaque na contribuição com o abastecimento público de água.
Quanto à qualidade da água nas bacias do bioma, o estudo “Observando os Rios 2017”, da Fundação SOS Mata Atlântica, revelou que apenas 2,5% dos 240 pontos de coleta de água distribuídos em 184 rios, córregos e lagos das bacias hidrográficas de toda a floresta litorânea do país apresentam água apropriada para o consumo. Nenhum dos pontos analisados foi considerado ótimo, sendo que 70% se mostraram em situação regular e 27,5% apresentaram qualidade ruim ou péssima. Ou seja, 66 dos pontos que foram monitorados estavam impróprios para o abastecimento humano, produção de alimentos, lazer e pesca.
A qualidade da água sofre influência das variações do clima e da forma de uso do solo e dos recursos florestais, entre elas o abastecimento humano, irrigação, pesca, lazer e turismo. A recíproca é verdadeira: os locais onde está conservada são os que apresentam melhor qualidade da água e, inversamente, a água é imprópria nos pontos em que nascentes, margens de rios e áreas de manancial encontram-se desprotegidos.
Helena Carrascosa von Glehn, da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo, Coordenadora do Componente 2 - SP do Projeto Conexão Mata Atlântica, destaca que a principal área de abrangência do Projeto, a Bacia do Paraíba do Sul, tem uma importância estratégica para o abastecimento público. Considerando apenas a população do Vale do Paraíba paulista e do Rio, mais de 12 milhões de pessoas dependem do Paraíba. “As atividades incentivadas pelo Projeto contribuem para melhorar a infiltração e armazenamento de água no solo, ajudando a regularizar vazões e evitar enchentes. Esperamos que as propriedades diretamente beneficiadas sirvam como áreas demonstrativas para a difusão das boas práticas e que os instrumentos desenvolvidos no Projeto sejam adotados em maior escala. Os Comitês de Bacia Hidrográfica, federal e estaduais, certamente serão grandes parceiros na fase de disseminação”, frisa ela.
O Coordenador estadual do Projeto Conexão Mata Atlântica em Minas Gerais, Marcelo Massaharu Araki, conta que a região da Bacia do Rio Paraíba do Sul no Estado é constituída por grandes áreas de pastagens degradadas, com propriedades rurais sofrendo por falta de água, assoreamento dos rios, perda de biodiversidade de solo. “O Projeto Conexão vem auxiliar o produtor rural descapitalizado a se regularizar ambientalmente junto ao CAR (Cadastro Ambiental Rural), através de técnicas de restauração com a utilização de sistemas agroflorestais, integração entre lavoura, pecuária e floresta e técnicas agroecológicas, melhorando não somente o meio ambiente como também o sistema de produção”, informa o coordenador. Segundo ele, ao disponibilizar ao produtor rural material de cercamento das áreas em restauração, insumos de plantio e mão de obra para o cercamento e plantio das áreas, o Projeto beneficia toda a sociedade com a volta dos recursos naturais como aumento das águas e melhoria na sua qualidade, sendo que muitas propriedades rurais abastecem cidades importantes, como Ubá. “Contamos sempre com parcerias como as prefeituras, Emater, Faemg, Fetaemg e sindicatos rurais, para uma sinergia nas ações de restauração”, conclui.
Segundo Marie Ikemoto, coordenadora do projeto Conexão Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro, os eventos recentes de seca e estiagem em grandes cidades brasileiras têm reforçado a importância e a urgência da preservação das florestas para provisão de água. Durante a crise hídrica dos anos 2014 e 2015, que atingiu o estado, em especial, a região da bacia do rio Paraíba do Sul, um dos principais problemas apontados foi o quadro geral de baixa cobertura florestal nas áreas de mananciais, principalmente, nas áreas de nascentes, matas ciliares e entorno de reservatórios.
No Rio, onde o projeto é coordenado pela Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas), por meio do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), junto à Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), a meta é promover a conservação e restauração florestal, além de práticas produtivas sustentáveis, de 2.500 hectares em áreas estratégias na bacia do rio Paraíba do Sul. O objetivo é recuperar os serviços ecossistêmicos associados à segurança hídrica, biodiversidade e regulação do clima. "O projeto constitui uma das principais iniciativas do governo do Estado para recuperação ambiental e proteção do rio Paraíba do Sul, manancial estratégico do Estado do Rio de Janeiro, responsável pelo abastecimento de água de cerca de 12 milhões de pessoas, incluindo a Região Metropolitana", afirma.